3. OS PRECURSORES NA FORMAÇÃO DAS OLIGARQUIAS JOAQUIMPIRENSES

Trataremos neste capítulo a respeito da história de vida de Agripino Costa, Francisco Leôncio e Antônio Miroca, através de informações colhidas em entrevistas que foram realizadas na perspectiva de resgate da memória dos entrevistados. Esses três atores do cenário político de Joaquim Pires foram os precursores quando o assunto é a formação das oligarquias joaquimpirenses.
Montenegro (1992, p.56), explica que quando entrevistamos buscando trabalhar a história de vida, temos que nos adequar as diferenciações existentes:

Diferentes são as entrevistas que têm como foco determinados temas, nas quais a preocupação básica são opiniões, pontos de vista, análises do entrevistado. Esse tipo de entrevista se caracterizará por uma construção em que predomina a racionalidade ou mesmo o discurso racionalizado do entrevistado.

Buscamos revisitar experiências e acontecimentos daqueles que viveram época e/ou que conviveram com coronéis joaquimpirenses.

3.1 - Agripino da Silva Costa

      Agripino Costa chegou a comunidade Porteirinha no ano de 1927, vindo de Magalhães de Almeida – MA. Assim como outros cidadãos que buscavam a liderança na política da cidade, desempenhava atividades agrícolas e comerciais. 


Agripino Costa e sua esposa Dona Maricota (fonte: Arquivo fotográfico da família Costa)

Era um cidadão com forte poder de persuasão sobre às pessoas, e em decorrência disso  em pouco tempo conseguiu predomínio econômico, social e político no município. Através de sua hegemonia econômica passou a ser chamado pela patente de Coronel, e como tal, tinha que desenvolver alguns atributos de coronel perante a sociedade.
Em entrevista a Francisco Pereira da Silva, mais conhecido por Chico Calú, neto de um dos primeiros habitantes de Porteirinha, o já citado neste trabalho, o Sr. José Pereira de Sousa, lhe perguntamos como era o relacionamento de Agripino Costa com o povo. Chico Calú (2006) nos respondeu que:

Os pobre quando chegavam lá (na casa de Agripino), não entravam pela sala, pela porta da sala, entravam pelo lado da cozinha. Mas, que “caboco” pra entrar lá de carona, como entra na casa do Antônio Miroca, Santino, de qualquer outros políticos que “existe” por aqui, “num” entrava. Entrava aqueles da iguala dele.

Agripino Costa tornou-se o chefe político de Joaquim Pires antes mesmo da emancipação da cidade. Nessa época o eleitor era submetido à sua vontade pois, não havia outro chefe político na região, e era por causa dessa submissão que a maioria dos habitantes de Porteirinha votavam onde ele mandava. Chico Calú (2006) conta que:

 (...) Naquela época ele “num” tinha nem esses tratamento, o povo tinha essa obrigação. Ele dizia assim... fulano de tal é o candidato “vamo” votar nele, pronto. Era aquilo, né.


Considerado um “homem duro”, ou seja, grosseiro e de um “gênio” orgulhoso, “continuava no poder por que trabalhava e pagava o povo”, justifica Chico Calú. “Ele era honesto, esses Costa tudo era honesto...tudo”. Explica Chico Calú acrescentando que o que faltava no Coronel Agripino era a simpatia com o povo.
Agripino Costa e sua esposa Dona Maricota (fonte: Arquivo fotográfico da família Costa)
 Para Antônio Miroca, o fato de Agripino Costa ter permanecido no poder, mesmo com o gênio que tinha, se explicava pelo fato de o mesmo ser “um cidadão de bem e... um homem muito inteligente, que conversava, conquistava todo mundo, e o povo tirava o chapéu pra ele. Ele naquele tempo era o homem daqui”, diz Miroca.
Proprietário de muitas terras, o que parece é que o Agripino a zona rural era diferente do Agripino da zona urbana. Em entrevista a Francisca Nogueira, a mesma relata que nasceu nas terras de Agripino Costa e lá permaneceu até mais ou menos 1982. Nogueira (2006), relata que Agripino era um homem simpático que tratava bem os seus moradores. A mesma diz que na época de eleição o coronel Agripino não obrigava nenhum dos seus moradores a votar nele ou em algum de seus candidatos, limitando-se apenas a visitas de casa em casa entregando calendários e pedindo votos. Porém, ela lembra de que os próprios moradores sentiam-se na obrigação de votar no patrão pelo motivo de morarem nas terras dele.
Como prefeito, Agripino Costa governou de 1963 a 1966 pelo PSD e depois pela ARENA. Essa primeira eleição foi disputada contra o Coronel Leôncio da UDN. Foi uma eleição histórica em Joaquim Pires, visto que foi a única onde os candidatos eram os próprios coronéis, além de ter sido nessa eleição, que Joaquim Pires elegeu o primeiro prefeito do município através do voto, visto que como já vimos, como prefeito Joaquim Pires Costa foi nomeado e não eleito.
Apresentou e elegeu seu sucessor nas eleições de 66 Pedro Agápito da Silva, o Pedro Justino. Após a saída de Pedro Justino, apresentou o irmão Bernardo Costa em 1970 onde sofreu a primeira derrota, numa eleição que aos olhos do grupo que o apoiava estava ganha, porém, foram surpreendidos pela chapa formada por Antônio Miroca – Prefeito e Pedro Leôncio – Vice-Prefeito, que faziam parte da UDN. Depois desta derrota, ele mesmo entrou para a disputa contra a chapa de Zé Leôncio – Prefeito e Zé Maria Marica – Vice-prefeito em 1972, sofrendo a segunda derrota. Nas eleições de 1976 apresentou o genro Zé Maria Marica contra a chapa de Antônio Miroca – Prefeito e Santino Santos – Vice-Prefeito sofrendo a terceira derrota.
Estima-se que Agripino Costa, esteve à frente do poderio político de Joaquim Pires, por mais ou menos 20 anos, sofrendo seu declínio político em 1970 com a primeira derrota. Antes da emancipação da cidade, já ocupava o cargo de vereador por duas vezes na cidade de Buriti dos Lopes (a qual Porteirinha fazia parte), onde mantinha estreitos laços de relacionamento com os chefes políticos daquela cidade, conforme já foi comentado neste trabalho. Era amigo e eleitor do Deputado Estadual João Clímaco de Almeida, político que estava sempre pronto a atender os seus pedidos.
Foi curioso o fato de seu declínio político, levando em consideração toda a sua influência e poderio. Indagado sobre sua opinião, do por que de Agripino ter perdido o poder político de Joaquim Pires e não ter mais conseguido de volta, Chico Calú (2006) responde que:

Ele perdeu assim... quase por orgulho, “né”! Por besteira. Ele perdeu a política, e aí quando foi um dia, chegou um homem, eu “num” “tô” lembrado quem era a pessoa que chegou pra ele:
- “Seu Agripino, o senhor perdeu a eleição?”.
-“Não, ‘num’ perdi a eleição não... quem perdeu a eleição foi os ‘caboco’. Eu paguei foi uma  promessa que devia a São Lázaro, de encher o bucho dos cachorro.
 Aí você se revolta com aquilo, aí ‘num’ vota mais nele, só isso. Esse é um modo do político tratar os eleitor? Eu acho que não seja”.

Para Marlene Ramos (2004, p.29), o declínio político de Agripino Costa se deve ao fato de que:


com a administração, contrária a expectativa do povo, o mesmo só teve o direito de eleger o seu sucessor Sr. Pedro Agápito da Silva, não  tendo mais condição de continuar no poder, tendo o povo concluído que Agripino tinha o intuito de tornar Joaquim Pires, propriedade sua; tendo grande parte de seus correligionários se revoltado e pondo-o fora do poder.

Após sua saída de Joaquim Pires, Agripino da Silva Costa passou a morar com uma filha na cidade de Fortaleza, onde faleceu em 15 de fevereiro de 1990.

3.2 - Francisco Leôncio de Sales
 
Francisco Leôncio de Sales era cearense e chegou em Joaquim Pires em meados da década de 30. Quando chegou em territórios piauienses foi ser morador do Almirante Gervásio de Buriti dos Lopes, o qual serviu como um trampolim para que Leôncio se tornasse um homem de boas condições econômicas. Através de empréstimos feito pelo Almirante Gervásio, Francisco Leôncio foi adquirindo bens como algumas propriedades de terra no município de Joaquim Pires. Passou a morar na localidade Mimosa, passando a viver da comercialização de produtos agrícolas. Alcançou sua hegemonia econômica na década de 40, quando adquiriu a patente de coronel.

Carteira de Identidade de Francisco Leôncio (fonte: Arquivo fotográfico da família Leôncio de Sales)

O “coronel” da família dos Leôncios era um homem temido por todos por causa de sua fama de valente. Em entrevista a seu filho Pedro Leôncio de Sales, hoje com 79 anos de idade, ele confidencia que: “o papai não ia ‘mijar’ se não fosse com o revólver na cintura”. Segundo Pedro Leôncio, seu pai possuía um arsenal em casa, que ia desde um revólver 38 a um rifle surdo. Explicando o motivo de ter tantas armas, o entrevistado fala que seu pai era perseguido por causa da riqueza que possuía. O “Coronel” Francisco Leôncio de Sales não temia sequer a polícia, a quem desafiou algumas vezes quando estiveram em sua casa. Seus atos de valentia quase chegaram a se tornar lendas na cidade, onde alguns antigos moradores do município comentam com um certo medo, fatos como algumas mortes cometidas pelo coronel Leôncio.
Francisco Leôncio, só veio a entrar nas disputas políticas após a emancipação da cidade. Através de incentivos por parte de pessoas que viviam ao seu lado, decidiu candidatar-se a prefeito nas eleições de 1962 contra a chapa de Agripino Costa – Prefeito e Clarindo Lopes Castello Branco – vice. Segundo Pedro Leôncio (2006), seu pai perdeu essa eleição por que a mesma foi fraudada:

Ele tirou muita vantagem e dizem que ele ganhou bem as eleições, mas o negócio era que as urnas passaram mais de cinco dias aqui em Joaquim Pires antes de ir para Buriti dos Lopes... e aqui abriram as urnas e tiraram os votos do papai e deixaram os do coronel Agripino.

       Nas eleições de 1962 teve como Vice-Prefeito Antônio Miroca, indicado pelo Deputado Estadual Wenceslau Sampaio de Buriti dos Lopes.


Francisco Leôncio não teve a oportunidade de disputar as eleições de 1966, pois, faleceu em 1964 vítima de problemas cardíacos. A liderança do grupo ficou a cargo do seu filho José Leôncio que em 66 entrou contra a chapa apoiada por Agripino Costa, sendo ela Pedro Justino – Prefeito e Joaquim Pires Costa – vice, acontecendo desta forma a segunda derrota do grupo.
O grupo político originado pelo coronel Leôncio só alcança sua primeira vitória com a chapa de Antônio Miroca - Prefeito e Pedro Leôncio - Vice-Prefeito em 1969, contra o candidato de Agripino Costa, seu irmão Bernardo Costa. A Segunda vitória do grupo veio em 1972 quando foram apresentado a candidato José Leôncio de Sales tendo como vice o cunhado de Agripino Costa, Zé Maria Marica. Segundo informações que se escondem atrás do anonimato, o fato de Zé Maria Marica ter sido candidato a Vice-Prefeito na chapa dos Leôncios, foi movida por dois interesses:
1º - Zé Maria Marica tinha um considerável número de votos na zona rural do município, com redutos eleitorais na localidade Extremas e localidades vizinhas;
2º - Zé Maria Marica era casado com a filha adotiva de Agripino Costa, Dona Betinha, e o fato de o mesmo se opor ao sogro iria repercutir bem para o grupo dos Leôncios.
Nas eleições de 1976, Antônio Miroca vence novamente tendo como vice Santino Santos, e é nesse mandato que ocorre o rompimento de Antônio Miroca com o grupo dos Leôncios, tirando dos mesmos a oportunidade de voltarem a ocupar cadeiras no executivo municipal.

3.3 - Antônio da Silva Ramos

Na década de 70 entrava para o quadro de liderança política, Antônio da Silva Ramos – o Antônio Miroca, um latifundiário residente no povoado Forquilha, casado com uma afilhada de Agripino Costa, dona Maria dos Aflitos Lima. Miroca era também comerciante e agricultor e desde jovem já trabalhava no ramo, primeiramente como comerciário e só depois como comerciante, comprando e vendendo produtos como algodão e fumo.
Antes de vir morar em Joaquim Pires, morava no povoado Forquilha, deste município, chegando das Contendas em 1951. Segundo Miroca (2006), o mesmo era eleitor de Agripino Costa, e tal “amizade se desfez, quando Agripino mandou um policial derrubar uma ‘tapagem’ na sua propriedade da Forquilha a pedido de um amigo que tinha uma propriedade próxima a de Miroca”.
Veio morar na sede do município (zona urbana) em 1963, ingressando na política através do grupo dos Leôncios. Logo na primeira eleição da cidade de Joaquim Pires (1962) se candidatava a Vice-Prefeito do coronel Francisco Leôncio.
Foi Antônio Miroca quem até a presente data por mais tempo manteve-se no poder na cidade de Joaquim Pires e, durante 45 anos de emancipação da cidade perdeu somente três eleições (1962, 1966, 2004). Desde sua primeira vitória em 1970 sempre tem elegido seus sucessores vindo a perder novamente uma eleição quando seu candidato D’chagas Ramos perdia para o candidato apresentado por seu filho Édios Ramos, Genival Bezerra em 2004.
Durante sua trajetória política sempre procurou impedir o progresso daqueles que de alguma forma o ameaçavam tomar-lhe o poder, nem que para isso fosse necessário romper com os próprios aliados. Um fato importante que foi fundamental para que o mesmo se tornasse um líder político na cidade, foi o rompimento com a família dos Leôncios. Visto que o mesmo pertencia a tal grupo e através deste é que foi lançado na política, Antônio Miroca vivia numa espécie de submissão aos Leôncios, e quando chegou a ocupar o executivo pela 2ª vez houve o rompimento que aconteceu através de uma estratégia de Miroca, isolando politicamente José Leôncio de Sales, que havia sucedido o pai na liderança do grupo político.

TABELA II – QUADRO DEMONSTRATIVO DA TRAJETÓRIA POLÍTICA DE ANTÔNIO MIROCA E CANDIDATOS POR ELE APOIADOS (1962-2004)
Eleições
Chapa
Partido
Nº de Votos
Situação
1962
Francisco Leôncio de Sales – Prefeito
UDN
-
Não Eleito
Antônio da Silva Ramos – Vice-Prefeito
1966
Antônio da Silva Ramos – Prefeito
-
-
Não Eleito
-
1970
Antônio da Silva Ramos – Prefeito
ARENA
-
Eleito
Pedro Leôncio de Sales - Vice-Prefeito
1972
José Leôncio de Sales – Prefeito
ARENA
-
Eleito
José Maria de Carvalho - Vice-Prefeito
1976
Antônio da Silva Ramos – Prefeito
ARENA
-
Eleito
Santino Raimundo dos Santos – Vice
1982
Santino Raimundo dos Santos – Prefeito
PDS
-
Eleito
Joaquim Pires Costa – Vice-Prefeito
1988
Antônio da Silva Ramos – Prefeito
PFL
3120
Eleito
Manoel Lopes de Miranda – Vice-Prefeito
1992
Francisco das Chagas Melo – Prefeito
PDC
2314
Eleito
José Ribamar Sales – Vice-Prefeito
1996
Édios da Silva Ramos – Prefeito
PMDB
PT
3.558
Eleito
Genival Bezerra da Silva –Vice-Prefeito
2000
Édios da Silva Ramos – Prefeito
PMDB
PT
2.978
Eleito
Genival Bezerra da Silva –Vice-Prefeito
2004
Francisco das Chagas Ramos da Cunha – Prefeito
PSDB
PFL
2.028
Não Eleito
Izabel de Maria Costa Carvalho – Vice-Prefeita
Fonte: TRE-PI


Na hora de romper com os aliados, Antônio Miroca começava por isolá-los. Não agüentando o fato de estar isolado, o aliado rompia com o mesmo. Foi o que aconteceu com Zé Leôncio e com Santino Santos. Eleito prefeito com o apoio de Antônio Miroca em 1982, Santino fez uma boa administração e destacou-se pela aceitação por parte do povo. Isso era o bastante para que Miroca pudesse isolá-lo, impedindo assim que Santino se tornasse uma ameaça ao seu poder, se transformando futuramente em um forte opositor.
Perguntado se o rompimento com Santino foi pelo fato de o mesmo representar uma ameaça à sua liderança política, Miroca responde que: “Não, não... acho que sim, acho que não, né!?! Não foi isso que fez o rompimento da gente”.
 
Antônio da Silva Ramos provou do próprio veneno após apoiar seu filho Édios Ramos para prefeito de Joaquim Pires nas eleições de 1996. Após tornar-se o gestor público de Joaquim Pires, Édios Ramos iniciou um processo de isolamento político de Antônio Miroca cortando seus privilégios e regalias na administração pública, o que veio a fazer com que Antônio Miroca deixasse de ser o maior líder político da cidade e rompesse com o filho nas eleições 2004, ano que novamente voltava a perder uma eleição municipal após 34 anos invicto.
Antônio da Silva Ramos é considerado o homem que implantou o clientelismo e a compra de votos na cidade de Joaquim Pires, fato que o mesmo nega dizendo que:

A compra de votos que eu tinha e tenho é a amizade. É por que eu não me escondo de ninguém. Nunca me escondi do eleitor. Nunca enganei um eleitor, se eu posso arranjar o que ele quer... comprar voto eu nunca comprei, eu faço aquilo que eleitor quer. Se ele tá precisando de um milheiro... dois milheiro de telha, eu como prefeito por que não dá, né?!? E se ele tá precisando  de um remédio, um vidro de remédio, eu tinha que dar. Se estava precisando de outra coisa, eu dava também, então era isso. Aí se outros não querem dá, acha que o povo deve votar sem receber isso, por que o certo é votar pela sua consciência, mas, todo mundo sabe como é eleição, né!?! Então, nunca comprei voto. Eu sempre gostei de ajudar as pessoas pobres.

Foi um cidadão que se relacionou politicamente com várias autoridades da política estadual como Dirceu Arcoverde, Hugo Napoleão, Alberto Silva, Freitas Neto, dentre outros componentes dos grupos de direita.