2. REVISITANDO AS ORIGENS DE JOAQUIM PIRES


A cidade de Joaquim Pires se originou a partir da povoação de pessoas vindas do Ceará, Maranhão e de outras localidades do Piauí. Por causa de sua localização geográfica, essas terras funcionavam como um corredor de acesso aos dois Estados acima citados. Os fatores naturais da região foram de fundamental importância para o seu povoamento, sendo que a lagoa do cajueiro teve grande influência para a fixação de quem passava pela região. Um dos primeiros moradores foi José Pereira de Souza, que construiu sua casa nas proximidades da lagoa.
Segundo Araújo Costa (arquivo particular da família Costa), por volta de 1880 chegou à Fazenda Cajueiro o Coronel Cândido Rodrigues de Carvalho  que posteriormente adquiriu outra fazenda conhecida por Casa Velha, propriedade dos herdeiros do Coronel Simplício Dias da Silva.
Antes mesmo da chegada de Rodrigues de Carvalho na localidade, a Fazenda Cajueiro já existia e estava dentro dos limites de Parnaíba, Freguesia que segundo o senso provincial de 1831, possuía três distritos: Buriti dos Lopes com 3.154 pessoas, Freicheiras com 1.986 pessoas e Distrito da Vila com 4.324 pessoas (ALENCASTRE, 1981, p.3). A fazenda cajueiro provavelmente seria um dos 477 fogos¹ que pertenciam ao distrito de Buriti dos Lopes, onde a soma de todos esses fogos contavam com 2.894 pessoas livres, sem a existência de escravos.
Com a chegada de algumas famílias que foram se domiciliando nas proximidades da Fazenda Cajueiro, a comunidade foi se desenvolvendo e passou a ficar conhecida como povoado Porteirinha. Tal denominação foi por causa de um cercado que caindo, ficou de pé somente a porteira. Esse cercado foi construído a mando de Rodrigues de Carvalho para servir de local para amansar gado. Esse cercado foi construído onde foi erguida a capela de Santa Dorotéia, a padroeira da cidade, às margens da Lagoa do Cajueiro.
Agripino da Silva Costa – que mais tarde viria a tornar-se um dos coronéis do povoado, chegou a Porteirinha no ano de 1927, vindo de Magalhães de Almeida – MA. Desempenhava  suas  atividades  profissionais  na  área  do comércio, vindo instalar uma  filial de Romão e Cia., que funcionou até 1929. Em pouco tempo conseguiu predomínio econômico, social e político no povoado. Era ligado politicamente ao Coronel Tomás Romão de Sousa, de Buriti dos Lopes. Ocupou por duas vezes o cargo de vereador naquele município, como representante de Porteirinha.
Francisco Leôncio chegou no município nos primeiros anos da década 30, vindo do Estado do Ceará. Comprou a fazenda da Mimosa, onde começou a progredir economicamente através extração e comercialização da cera da carnaúba. Com o passar dos dias passou a plantar cana-de-açúcar fabricando rapadura e cachaça. Devido à necessidade de mão-de-obra em suas atividades profissionais trazia famílias cearenses para morar em suas terras, o que fazia com que aumentasse cada vez mais o número de moradores na região.
Antônio Miroca nasceu em 1928 dentro da própria região, no povoado contendas, vindo morar na zona urbana do município em 1963 depois de morar na localidade Forquilha. Nessa época já residia em Joaquim Pires várias famílias, dentre elas a família de Pedro Agápito da Silva (mais conhecido por Pedro Justino), a do conhecido Tote Barbeiro, a família do comerciante Francisco Sales da Silva, a família de José Mendes Vasconcelos (conhecido por Zeca Chagas), as famílias de Alfredo Lima da Cunha,  de Benedito Sousa, de João Lucas Escórcio (conhecido como Joca), Clarindo Lopes castelo Branco, João da Mata Fortes (conhecido por Jota), Francelino da Silva Costa, o conhecido Domingo Ricundino, Abel Lélis Pereira, dentre outras. 


2.1 - O processo de emancipação política

Foi na década de 50 que começou o amadurecimento da idéia da emancipação política fazendo com que o povoado passasse a ser cidade. Consultando o trabalho monográfico de Marlene Cardoso Ramos (2004, p.28-29), conseguimos encontrar um relato do tabelião Benedito Nicolau de Oliveira, sobre o processo de Emancipação política de Joaquim Pires, onde o mesmo relata que:

Foi iniciado mais precisamente no ano de 1956 pelos senhores Agripino da Silva Costa, Clarindo Lopes Castelo Branco, Thomaz Romão de Sousa e outros, com o apoio político dos Deputados Epaminondas Castelo Branco, Antonio Manoel Gaioso Castelo Branco e João Clímaco de Almeida, todos do Partido Social Democrático (PSD), na época não se deu referida Emancipação, por imposição do grupo político comandado pelo Deputado Wenceslau Sampaio, da União Democrática Nacional (UDN), de Buriti dos Lopes.

Segundo Ramos (2004, p.27):

[...] tal processo emancipatório de Joaquim Pires, foi confeccionado pelo Sr. Benedito Nicolau de Oliveira, na época Escrevente do “Cartório Thomáz Romão” do 1º Ofício da comarca de Buriti dos Lopes, por quem foi conduzido e acompanhado o dito processo, na cidade de Teresina, Capital deste Estado, em todos os seus trâmites, até o final. Conforme seus relatos o interesse dos que tiveram a iniciativa pela Emancipação do município, era tão somente torná-lo independente, em virtude da dificuldade de comunicação, devido a distância da sede do município de Buriti dos Lopes, do qual fora desmembrado, ficando a região muito isolada daquela administração [...]

O projeto de lei que emancipava politicamente Joaquim Pires, foi apresentado pelo Deputado Estadual João Clímaco de Almeida, deputado que mantinha fortes laços de amizade com Agripino Costa, segundo familiares de Agripino. No meio político tradicional do município, comenta-se que o fato de a cidade ter recebido essa denominação de Joaquim Pires, vem de uma homenagem da Assembléia Legislativa do Estado do Piauí, prestada ao Senador da República Joaquim de Lima Pires Ferreira, um piauiense que na opinião dos deputados daquela casa, muito contribuiu com seus serviços prestados ao seu Estado.
O senador Joaquim de Lima Pires Ferreira pertencia à tradicional família Pires Ferreira, uma das maiores quando se fala em rede oligárquica na região norte do Estado do Piauí. Para nós, a denominação dada a cidade não foi uma homenagem, e sim uma tentativa de imposição de poder político na cidade, visto que nela existiam parentes dos Pires Ferreira envolvidos no cenário político da mesma. Ao invés de ser uma homenagem, foi uma imposição de poder camuflada e a prova disso, foi que o primeiro prefeito Joaquim Pires Costa, era parente muito próximo dos Pires Ferreira e foi colocado no cargo por nomeação do governador.
Desde suas origens Joaquim Pires vive a mercê das vontades dos grupos oligárquicos (tanto regionais quanto locais). Sua emancipação só foi possível graças a um acordo feito entre os partidos que ocupavam cadeiras da Assembléia Legislativa do Estado, precisamente o PSD e a UDN. Os Deputados Estaduais que faziam parte da UDN, só assinavam a aprovação do projeto se o prefeito nomeado fosse Joaquim Pires Costa. O PSD teve que ceder a tal pressão, caso contrário, o povoado Porteirinha não teria sido emancipado politicamente. Então, com a realização do acordo, em 1960 foi nomeado prefeito Joaquim Pires Costa, da UDN, e Agripino da Silva Costa teve que esperar pelas eleições de 1962 para poder candidatar-se pelo PSD, partido que fazia parte.
Em entrevista a Antônio Miroca (2006), perguntamos a ele o que teria levado Joaquim Pires Costa a ser nomeado prefeito de Joaquim Pires, ele respondeu o seguinte:

O que levou ele Joaquim, foi isso, é por que... era o esquema político que existia naquela época, o deputado Wenceslau Sampaio, ele era o deputado daqui, só aceitava passar cidade... município, se o prefeito fosse do partido dele, e quem era do partido do deputado Wenceslau Sampaio era ele Joaquim (...)

Segundo Antônio Miroca, o fato de Joaquim Pires Costa fazer parte da família Pires Ferreira influenciou tanto quanto o fato de ele fazer parte da UDN. Vale deixar aqui explícito que, embora Joaquim tivesse o sobrenome “Costa”, não era parente de Agripino.
O Governador Chagas Rodrigues nomeou o primeiro prefeito da cidade, Sr. Joaquim Pires Costa, pela portaria de 21 de dezembro de 1960, fato que já havia sido comunicado ao “chefe político” do município, Agripino Costa. A comunicação foi feita através de um telegrama mandado pelo próprio governador.
A lei que emancipava politicamente a cidade de Joaquim Pires foi a de N.º 2054 de 06 de dezembro de 1960 sancionada por Chagas Rodrigues, empossado ao cargo de Governador do Estado no ano anterior à emancipação do município, o mesmo fazendo parte de uma coligação formada pela UDN-PTB (Rego Neto, p.106, 1986).
Foi num dia chuvoso que o município foi instalado, no dia 28 de dezembro de 1960, em sessão presidida pelo Dr. Dário Fortes do Rêgo – juiz de direito da comarca de Burití dos Lopes, com a presença do então governador do Estado. A cidade amanheceu em clima de festa e encontrava-se apreensiva. Populares como Chico Calú fizeram parte deste cenário festivo. Conta Chico Calú, que naquele dia tinha chovido muito e com mais oito homens foram encarregados (por Agripino Costa) de desatolar os carros que passavam com dificuldade, próximo ao “Canto do Caju” (localidade próxima à cidade), em uma estrada antiga que dava acesso à Joaquim Pires.
Chico Calú (2006) relata que:

O “réi” Agripino, ele foi o interessado pra botar isso pra cidade, quando foi no dia 28 de dezembro foi o movimento, né. 28 de dezembro, aqui já ‘tava mole de chuva, aí ali, você sabe onde é a CONDEVALE? Ali morava uma velhinha, mãe... mãe da Isabel do Bacana, morava assim pra “riba” daquele morro. Aí perto tinha uns pé de capitão de campo. Ali “num” tinha “arrudeio” “pros” carro passar, tinha que passar por ali. Ali nós “era” uns oito homem. Nós ‘tava “aprontado” ali, pra na hora que vinha os carro, nós ‘tava ali. Era difícil “num” ficar um carro. Na hora que batia, “num” era... era “dislizando”, nós tinha que passar todo mundo empurrando aquele carro. E aí, quando errava a bitola, aí caía dentro do buraco, aí atolava. Aí nós “ia” “disatolar” aqueles carro, aquele carro, até... Pra entrar pra debaixo, quando saia debaixo dos carro, parecia uns porcos (risos).

Pedro Leôncio (2005) diz lembrar pouca coisa do dia da emancipação:

Eu lembro pouca coisa do dia da emancipação da cidade. Só lembro que viemos pra cá pela Malhada de Baixo. Estava num inverno monstro. Lembro que veio o Wenceslau com um pessoal do Buriti dos Lopes, veio aquele governador Chagas Rodrigues. Veio todo esse pessoal para passar a cidade.

Halbwachs (1990, p.27, 30), explica que o esquecimento geralmente pode vir a acontecer por não termos nos envolvido muito ao acontecimento, ou pode acontecer também pelo fato de “uma tal memória estar limitada pela força das coisas, ou na duração do grupo”.
Estiveram presentes na solenidade de instalação do município os parentes do senador Joaquim Pires: Jurandir Pires Ferreira, Deputado Federal Dirno Pires Ferreira (respectivamente, filho e neto do homenageado Senador Joaquim Pires). Estiveram lá também Deputados Estaduais João Clímaco de Almeida (autor do Projeto de emancipação), Alberto Monteiro, Antônio Gaioso Castelo Branco e Themístocles de Sampaio Pereira, além da Prefeita de Buriti dos Lopes Zezita Cruz Sampaio, o sub-procurador do Estado José Nicodemos Alves Ramos. Agripino Costa, Pedro Agápito da Silva, Padre Bossuet (filho do Coronel Leôncio), outras autoridades e grande multidão, conforme consta na Ata Oficial de instalação da cidade (p.02). (em ANEXO)


TABELA I - TRAJETÓRIA POLÍTICA DE DESCENDENTES DA FAMÍLIA PIRES FERREIRA NA CIDADE DE JOAQUIM PIRES
ANO
NOME
CARGO
PARTIDO
VOTOS
SITUAÇÃO
1960
Joaquim Pires Costa
Prefeito
UDN
-
Nomeado
1966
Joaquim Pires Costa
Vice-Prefeito
ARENA
-
Eleito
1982
Joaquim Pires Costa
Vice-Prefeito
PDS
-
Eleito
1992
Noé Fortes de Souza Pires
Prefeito
PTB
1.111
Não-eleito
1992
José Fortes de Souza Pires
Vereador
PTB
131
Não-eleito
1996
Noe Fortes de Souza Pires
Prefeito
PTB
2.852
Não-eleito
2000
Maria José Sales Pires
Prefeito
PTB
424
Não-eleito
2004
Noé Fortes de Souza Pires
Vice-Prefeito
PtdoB
1.912
Não-eleito
2004
Noé Fortes de Souza Pires Filho
Vereador
PtdoB
129
Não-eleito
Fonte: TRE-PI
Analisando o tabela acima vemos que, descendentes da família Pires Ferreira têm tido muito pouco respaldo político na cidade de Joaquim Pires. O único a ocupar cargo público eletivo foi justamente Joaquim Pires Costa que, depois de ter sido eleito vice-prefeito em 1966, passou 16 anos sem ocupar cargo eletivo, vindo a ocupar novamente somente em 1982, quando foi convidado por Antônio Miroca para ser vice-prefeito de Santino Santos. 
Comentando sobre a ligação que tinha com Joaquim Costa, Antônio Miroca explica:

Eu tinha poucas relações com ele, sabe. A gente se encontrava pouco, já no fim da caminhada dele, nós tivemos mais aproximação, ele foi (...) vice do Santino. Foi até eu que fui atrás dele pra ser vice. Então, nós já no final da coisa, nós “tivemo” mais aproximação, foi um bom companheiro, um homem sério, o que eu acho muito bonito, é a pessoa ser honesta com os amigos, ser sincero.

Depois dele, quem mais se aproximou do poder executivo municipal foi Noé Fortes de Souza Pires em 1996, apresentado pelo então prefeito da época Santino Santos numa coligação feita pelos partidos PPB/PTB/PFL/PSDB. Nesta eleição, Noé Pires perde por 706 votos para o candidato Édios Ramos, apresentado por seu pai, Antônio Miroca.
Em entrevista com Antônio Miroca, perguntamos qual era sua opinião sobre o motivo da família Pires nunca ter chegado a dominar a política de Joaquim Pires, no que ele respondeu:

Rapaz, é uma coisa que eu não posso... não sei nem responder, por que na grande verdade, era uma família grande, e com pessoas de prestígio e tal... e recursos, e nunca teve um pra ser nem eleito a vereador.

Em Joaquim Pires só houve parentes da família Pires Ferreira ocupando cargo eletivo enquanto Joaquim Pires Costa estava vivo, sendo que depois de sua morte nenhum nome de “peso” surgiu na política.




 

¹ - Fogo: Vocábulo de uso técnico-administrativo significa casa, os arranjos sócio-econômicos dos moradores e os moradores, que poderiam ser parentes sangüíneos, afim, agregados ou escravos (BRANDÃO, 1995, p.99).