1. REFLEXÕES ACERCA DAS OLIGARQUIAS


A cidade de Joaquim Pires sempre foi um município que sofreu fortes influências de grupos oligárquicos regionais e, no cenário político da cidade as oligarquias joaquimpirenses sempre lutou para que a figura do “chefe político” local sempre se mantivesse viva. Na década de 60 e 70, três nomes se destacaram como “chefes político”, sendo eles: Agripino Costa, Francisco Leôncio e Antônio Miroca. Para LEAL (1997, P.76):

O agrupamento dos fazendeiros (...) em torno de um deles (...) explicam-se por diversas razões: por motivo de ordem pessoal (maior vocação, capacidade ou habilidade); pela tradição (permanência da chefia na mesma família); pela situação econômica (propriedades mais ricas, com maior número de eleitores, ou maiores disponibilidades para gastos eleitorais) etc.

As atividades profissionais exercidas por esses “chefes políticos” muito contribuiu para que os mesmos conseguissem a liderança desses grupos oligárquicos. Essas atividades profissionais estão fortemente ligadas ao fato de os mesmos serem grandes proprietários de terras. Com as mudanças ocorridas na economia piauiense da época (como aumento no preço de determinados produtos), esses proprietários de terras que eram fazendeiros, passaram também a comerciantes bem sucedidos e, foi em decorrência do sucesso nas negociações comerciais que conseguiram destaque na sociedade a ponto de adentrar nas veredas da política buscando defender nela os seus interesses interpretados como interesse público.
Não podemos deixar de lembrar que em nosso Estado, a economia foi quem norteou a formação histórico-social, e que foi na pecuário que o Estado veio a se destacar vivendo a “civilização do couro” entre o século XVII e XIX. Foi nesse cenário regional, isolados das autoridades da época, que surgiu a figura do fazendeiro como chefe autoritário, que nada mais era do que o coronel. Eis as raízes do mandonismo local, que como diz Antônio José Medeiros (p.21, 1996) “funde e confunde dominação social e poder político”. Observamos a partir de então o surgimento de características secundárias do coronelismo, sendo elas o filhotismo, o falseamento do voto, como também a desorganização do serviço público local, dentre outros. Segundo LEAL (p.40) : o “coronelismo” é uma “forma de incursão do poder privado no domínio público”.
A figura do “coronel” não possuía nenhuma ligação em relação a carreira militar. Essa era uma patente adquirida pelo poder aquisitivo dos grandes fazendeiros ou latifundiários.
Pedro Leôncio (2006), explicando de que forma seu pai se tornou um coronel, explica que:
Quem deu a mão para o papai abaixo de Deus foi o Almirante Gervásio. O Almirante comprou as terras e o papai pagou em pó e em cera.  Depois o papai foi para o Ceará e trouxe  uns homens pra tirar o carnaubal e aí a coisa melhorou. Depois o papai falou novamente com o Almirante Gervásio pedindo um dinheiro para comprar 200 gados, bode, ovelha... aí o Almirante disse assim: “Leôncio, tu tá enriquecendo. Daqui a pouco tu tá meu patrão”. Aí o papai falou: “Não Almirante, é que quero que você me ajude porque eu tenho vontade de comprar essa outra propriedade que já vem com gado, tem ovelha, tem tudo”. Aí o Almirante deu a ordem para o Rolando Jacó de Parnaíba, para o Rolando fornecer o dinheiro. Aí o papai pagou com cera. Ele trouxe mais homens do Ceará, aí todos nós fomos trabalhar. Nesse tempo o preço da cera subiu... foi lá pra cima, e aí o papai pagou logo o dinheiro. Isso tudo foi mais ou menos de 30 a 36 por que em 40 o papai já estava folgadão. Já chamavam ele de Coronel. Ele resolveu ir para o Baixão...chamavam o Baixão de Mitamba. Lá Nesse tempo tinha uns sítios do finado Luís Carvalho. Tinha um engenho de pau, tinha tudo, aí o papai queria levantar. Era perto. O papai mudou-se pra lá. Lá começou a trabalhar e melhorou mais ainda de condição. Nesse tempo ele fez um empréstimo com o Presidente da República Getúlio Vargas para poder fazer um açude. Nessa época o papai já era um homem “apulumado”, já tinha o nome de coronel, já tinha muito gado... muito boi. O próprio povo daqui o chamavam de coronel, como também os de fora. Os coronéis não tinham era curso e nem diploma, mas davam a patente pra eles.

A partir do momento em que passamos a estudar o coronelismo, passamos a observar que cada “coronel” tem seu grupo onde sempre vivem em disputa com grupos de outros coronéis. Dificilmente haverão dois ou mais “chefes” políticos na mesma facção política, a não ser nas eventuais coligações. Os motivos das disputas são a ganância pelo poder, gerado na maioria das vezes pela natureza instável do “status” desses “coronéis”, gerando consequentemente competições e conflitos.
Para a sociologia, a diferença entre competição e conflito, está no fato de que a primeira é um processo inconsciente, enquanto que a segunda é consciente. Simplificando melhor essa diferença, basta dizer que quando a competição é consciente, ela deixa de ser competição e passa a ser conflito. (PIERSON, p.220, 1981)
Para Donald Pierson (1981):

A qualidade principal do conflito é a luta pelo “status”, isto é, a luta por uma posição no grupo, por parte do indivíduo, ou numa série de grupos, por parte do grupo, por uma posição que corresponda à concepção que o indivíduo ou grupo tem do seu próprio papel.

Antes da emancipação da cidade, atuava somente um grupo político na cidade. Tal grupo era liderado por Agripino Costa, que já ocupava o cargo de vereador em Buriti dos Lopes. Com a emancipação política de Joaquim Pires, originou-se mais um grupo: o grupo liderado por Francisco Leôncio de Sales. Incentivado por alguns amigos, Francisco Leôncio decidiu entrar na política, disputando as eleições de 1962 contra Agripino Costa. Nesta época Antônio Miroca era aliado do grupo dos Leôncios, porém, não tinha nenhum respaldo político, o que veio adquirir somente no decorrer da década de 70.
Esse processo de competição e conflito entre grupos, sempre almejava a ocupação de cargos públicos como o de Prefeito, Vice-Prefeito, Vereador, além de secretarias e outros cargos de confiança. Com a emancipação do município a função de “Cacique” na política ainda continuava a cargo de Agripino Costa, o qual era visto como um “imbatível” líder político da cidade.
Embora esses homens não fossem ricos, eram visto como pessoas de boa condição econômica, sendo que na época, Antônio Miroca era o menos favorecido dentre os três. Vale observar que a propriedade de terra configura-se como grande fonte de poder e riqueza, sendo a fonte maior da formação oligárquica.
Victor Nunes Leal (1997, p43), explica que:

Como costumam “passar bem de boca” – bebendo leite e comendo ovos, galinha, carne de porco e sobremesa – e têm na sede da fazenda um conforto primário, mas inacessível ao trabalhador do eito, o roceiro vê sempre no “coronel” um homem rico, ainda que não seja; rico, em comparação com sua pobreza sem remédio.

A partir da formação desses grupos políticos locais compostos por essas famílias foi que, sempre recebendo o apoio dos governantes a nível estadual buscavam o direito de exercerem o poder local. Para isso, pactos eram firmados no intuito de garantir o exercício do poder pelas oligarquias e assim, num encadeamento autoritário, as decisões deveriam ser acatadas em todos os níveis para que as reivindicações fossem atendidas.
Aos trabalhadores rurais, que residiam dentro das fazendas cabia aceitar o "voto de cabresto" elegendo os candidatos apoiados pelo patrão. Para fiscalizar se o eleitor realmente tinha votado em seus candidatos, o “chefe político” designava pessoas para investigar, e através da cumplicidade com presidentes de seção a comprovação era feita. Era de costume esses presidentes fazer alguma marca que identificasse a cédula do eleitor do qual se duvidava para que na hora da apuração fosse descoberto se ele realmente havia votado nos candidatos do “chefe político”.
O voto fazia com que o eleitor demonstrasse sua lealdade ao patrão e a desobediência podia resultar em punições. Portanto, os trabalhadores rurais (os mais fracos deste “esquema” na política), nunca podiam expor o seu real pensamento político.
Victor Nunes Leal (1997, p.44), explicando a existência do voto de cabresto, diz que:

Completamente analfabeto, ou quase, sem assistência médica, não lendo jornais, nem revistas, nas quais se limita a ver as figuras, o trabalhador rural, a não ser em casos esporádicos, tem o patrão na conta de benfeitor. E é dele, na verdade, que recebe os únicos favores que sua obscura existência conhece.

Pedro Leôncio (2006), filho do coronel Francisco Leôncio, faz um relato mais completo de como funcionava a relação eleitor- coronel e vice-versa:

O papai era bom demais para os eleitores ele servia muito as pessoas. As pessoas iam procurar ele por uma necessidade e ele estava pronto pra atender, como por exemplo, a pessoas chegava lá e diziam: “Coronel Leôncio eu matei fulano de tal...” ou “Eu quero que você mande deixar minha mulher... eu quero isso... eu preciso daquilo...” (...) Naquele tempo já existia a compra de voto, mas o papai quando era vivo não dava dinheiro para os moradores dele não. Ele dava o que eles precisassem. Quando chegavam lá por casa o papai dizia: “Fulano, tu vai me dar um voto, o que tu precisar me diz”. Aí a pessoa ia e falava. Mas, chegar e dizer: “aqui fulano, dez cruzeiro... dez “miréis” pra tu votar em mim”, não tinha isso não. Eles votavam em quem o papai dizia, por que a luz que iluminava o andor  era ele papai. Toda necessidade de polícia, de política, de perseguição, eles corriam lá em casa, e ninguém ia atrás.

Francisca Nogueira da Silva (2006), que nasceu quando seus pais eram moradores de Agripino Costa, comenta que “nessa época Agripino tinha muitos moradores, mais ou menos uns sessenta nas terra que ficam ali pelo Brejinho, Orelha D’onça, Canto de Cima e Canto de Baixo.” Ela ainda acrescenta que:

Quando alguém adoecia o vaqueiro vinha a cavalo atrás de um carro, aí seu Agripino mandava um carro ir buscar para transportar o doente. Tudo lá a gente contava com o Agripino Costa. Os moradores se sentiam à vontade na hora de votar e não se sentia obrigados. Ouvi algumas pessoas falando que se não votasse, podia o seu Agripino botar pra fora das terras. Eles tinham medo de sair, mais nunca ouvi falar que seu Agripino ameaçasse alguém pra poder votar nele.

Santino Santos (2005), ex-prefeito de Joaquim Pires e que chegou no município em 1967 vindo de Buriti dos Lopes, nos confessou não acreditar na existência do voto de cabresto nas décadas de 60 e 70:

Falam em voto de cabresto naquela época, mas eu não acho que aquilo seja não. Que existe uma coisa, não tem esse negócio de voto de cabresto não, por que, lembro bem uma coisa, que seu Antônio foi um cidadão que se elegeu aqui muitas vezes e ele não era nem apoiado pelo pessoal que tinha muitos moradores. Ele se elegia, então não tinha voto de cabresto, né! Se tivesse, quem se elegia ali era aquele pessoal que tinha os cidadãos que eram dono de propriedade, que mandava no morador, que fazia isso, então, considero isso diferente. Agora, eu acho hoje muito melhor por que no tempo de coronel, machucava muito as pessoas que não podiam se encostar em ninguém. Aonde ele estava ele tinha que ficar.

Chico Calú (2006), cidadão joaquimpirense e que já foi eleitor de Agripino Costa e depois de Antônio Miroca, relata-nos que quando precisava de Antônio Miroca sempre era amparado pelo mesmo, fato que narra demonstrando muita gratidão.

Quando eu ocupava seu Antônio, eu nunca vim com a mão “abanando” de lá. Ou que fosse do tanto que eu falasse, ou mais pouco, mas ele me arranjava, né. Quando ele não tinha, mas ele marcava o dia de eu ir. Aí eu ia, e aí ele me arranjava. E assim acontecia com os outros eleitores. Foi assim com todos.

A maioria das famílias que nos municípios piauienses conseguiram lugar de destaque na liderança política de suas cidades são grandes proprietárias de terras, fato que as coloca numa situação diferenciada daqueles que não são latifundiários. A divisão de classes nas terras piauienses se deu em decorrência dessa diferenciação. Explicando sobre a divisão dos blocos sociais no Estado do Piauí, Martins (2002, p.83) reflete que:

O fulcro balizador das diferenciações sociais é fundamentalmente a condição dos diversos setores sociais no acesso à posse da terra. Com efeito, em função da propriedade da terra ficaram estabelecidos historicamente, no Piauí, dois blocos sociais nitidamente diferenciados: Os grandes proprietários e a massa de trabalhadores, ligados diretamente ou indiretamente à produção agrícola.

A propriedade rural muito influenciava na definição do estrato superior, vemos que esse processo teve suas origens através das ações do governo que, utilizando a política sesmarial, onde o mesmo elegia o grupo de proprietários rurais, legando a estes a condição de senhor de terra. Através dessa política os proprietários locais, identificado na distribuição indiscriminada dos imóveis rurais entre os herdeiros legítimos, eram qualificados como “homens de bem”, o que criava uma distinção social, habilitando-os a ocupar cargos e funções públicas. (BRANDÃO, 1995, p.312)